Sim, Rio!!!
Não… não era o Rio o nosso destino final – da perna Ilhabela (SP) > Búzios (RJ).
Rio sempre esteve entre as minhas paradas obrigatórias.
Rio não era bem o destino que o Ric tinha em mente… ou as crianças.
Infelizmente, pelas noticias que a mídia apresenta, meus filhos tinham medo de parar e conhecer o Rio de Janeiro… meu marido também.
Confesso que eu também tinha… tenho! Mas ainda assim… poxa vida… O Rio é o Rio, né? Não dá para simplesmente passar batido!!! Mas foi isso que foi decidido antes de planejarmos a perna, e assim seria… como comentariam muitos internautas “#SQN”!!!
Deus tinha planos distintos pra nós… para o Amar Sem Fim e para mais outras pessoas com as quais tivemos contato.
Pegamos chuva desde o inicio da viagem (saímos da Ilha as 7:45am do dia 30/01/15). Confesso que as primeiras horas foram tranquilas. Tempo fechado, quase sem vento… nosso tripulante até meio encafifado… poxa, não vamos velejar?! rsrsrs
Logo… passando Ubatuba, começamos a enfrentar leves chuvas e ventos mais significativos… As chuvas vinham e iam… leves a principio. Os ventos estavam muito bons e estáveis… seguimos com as velas abertas… durante quase toda a viagem (com exceção das primeiras horas).
Seriam ao todo entre 30 e 34 horas de viagem entre Ilhabela e Buzios. Com 1/3 da viagem completo, estávamos na altura de Angra. Ali, as chuvas ainda estavam calmas… esparsas… O mar seguia normal. Na região da ponta da Joatinga, claro, estava meio chato. Mas nada que realmente perturbasse.
Pouco depois de Angra (aprox. 19:00 do mesmo dia), as chuvas começaram a apertar. Eram mais negras (ainda era horário de verão…), mais carregadas, acompanhadas de muitos raios e trovões. O vento, de vez em quando, apertava um pouco… subia até uns 20, 22 knots… O mar seguia sem assustar… As velas seguiam abertas: genoa, mestra e mezena.
A noite chegou e seguimos bem. Do mesmo jeito. Chuvas mais fortes do que no começo, mais raios e trovões… mais rajadas… Vínhamos orçando desde que o vento começou, fraquinho, la em Ubatuba… de como o barco se posicionara (para chegarmos a Búzios) , ele soprava a 30º por boreste… variando um pouquinho… nos forçando a arribar algumas vezes pra que não adernasse muito, e para que também não saíssemos muito do rumo.
Lá em baixo, na cabine principal, deitei um pouco com as crianças. O amigo que nos acompanhava também se recolheu por um tempinho enquanto estava ainda no começo da noite.
Por volta da meia-noite, a coisa começou a apertar e subi para ver como estava tudo. As vezes temos a impressão errada, lá de baixo, dentro da cabine. As vezes parece melhor do que realmente está… e as vezes parece pior. Este não era nem um caso, nem outro. Parecia exatamente como estava… nem tão ruim… nem tão bom. Lembro-me de sugerir baixar as velas… seguir no motor… sentia adernar muito… orçava muito… A esta altura, se bem me lembro, já estávamos com a mestra baixada. Estavam somente a genoa e a mezena abertas.
Algumas coisas na sala caíram… muitas coisas caíram.
As crianças foram deitar na cabine delas, onde escorregavam menos, quando o barco adernava muito. Dormiram.
Por volta das 2:00am, decidi que já descansara o suficiente e subi para fazer companhia para o Ric. Sei que ele gosta de velejar a noite toda… só me delega as velas e o motor quando já está amanhecendo… mas gosto de lhe fazer companhia. Um papo as vezes distrai e faz o tempo passar. Não dava!!! Era muita chuva, muito vento, muito raio e muito trovão. A companhia ia ser apenas física… nada de papo. Mas ainda não estava assim tão ruim.
Acomodei-me em um lado do cockpit e, por algum motivo (que agora reconheço ter sido a mão de Deus), olhei para cima e para fora do barco. Acho que buscava a intensidade da chuva… as nuvens… Não sei. Vi que um lado da cruzeta do mastro principal trepidava. Que estranho. Pensei em falar pro Ric. Pensei que seria bobeira falar. Talvez ela trepidasse e eu é que nunca havia notado… Eu já havia comentado que talvez fosse bom baixar todas as velas. Que se o vento apertasse talvez não conseguíssemos baixa-las e tudo ficasse mais difícil. Mas ele estava muito tranquilo e seguro de como levava o AmarSemFm pelos mares da costa do Rio. Olhei para cima outra vez e a pá da cruzeta (que trepidava ha pouco) já não estava mais lá, e sim dependurada por um fio que resistia ainda ao seu peso… e balançava lá do alto… pra cima do meio do mastro. Neste momento alertei o Ric de que perdêramos uma cruzeta. Sem alarde, não queria assustá-lo. Ricardo observou, acionou-nos e recolhemos a genoa. A mezena permaneceu… estava difícil de baixá-la, por um lado; e por outro, era bom que permanecesse para dar-nos mais estabilidade.
O AmarSemFim navegava com firmeza. Cortando ondas mais altas (mas nem tanto), enfrentando os ventos (que beiraram 40 knots), as chuvas, os raios e trovões.
As chuvas, há tempos, deixaram de ser esparsas… e uma tempestade se juntava a outra, dando-nos quase nenhum tempo de intervalo… Ao final… já na altura do Recreio (RJ), entendemos que já não eram chuvas que se encontravam, mais uma tempestade só… O mar, curiosamente… igual sempre… durante toda a viagem. Com exceção de uma ou outra onde mais alta… que nos fazia adernar mais… Mas confesso que nada assustador. Na verdade, era assustador, sim, mas pelo simples fato de ser noite, e não conseguirmos ver muita coisa.
A esta altura, com a pá da cruzeta solta, balançando… já não sabia se era bom que ela caísse no mar de vez, ou que ela caísse no convés (depois que tiramos a outra pá, no dia seguinte, e me dei conta do seu peso, agradeci a Deus por ela ter caído na água do mar, direto, e se perdido. Nem imagino o dano maior que teria causado, se tivesse caído daquela altura, com seu peso, no convés do AmarSemFim).
Com tudo isso, o moral da tripulação (que ainda permanecia acordada), começou a ficar abalado.
Roupas molhadas (mesmo as impermeáveis), cabelos pingando, gotas e mais gotas escorrendo pelo rosto misturadas ao suor, raios (que iluminavam noite, e com os quais eu contava para poder avaliar a altura do mar) e trovões, a chuva que entrava horizontalmente pelo cockpit… Era hora de contatar a marinha, informando a avaria e nossa ultima posição. Mas o rádio não funcionava. Não o nosso, mas o canal de acesso… o tal do 16… não funcionava. Ouvimos e nos comunicávamos em outros canais, mas o 16… nada! Por fim, decidimos chamar o iate clube do RJ pelo telefone. A esta altura (umas 3:00am mais ou menos), já tinhamos sinal 3G.
A viagem toda não nos afastamos muito da costa. Sempre ficamos entre 6 e 10 MN.
Agora estávamos a 8 MN. Previsão de mais 3 horas de viagem até o Rio… e um total de 13 ou 15 horas até Búzios. Estava tão cansada! E tinha a questão do moral… Até que o tripulante amigo nos sugeriu que parássemos no Rio, mesmo. Com a questão da avaria, seria mais prudente. Além de que seria mais fácil encontrar mão de obra e serviços especializados aqui no Rio mesmo, do que em Búzios. Decididos, seguimos adiante… na mesma direção, mas aterrando para entrar na baia de Guanabara, onde fica o iate club.
De frente para a Barra (ou já seria Ipanema?) passamos entre duas ilhas. Hj, ainda acho que foi uma decisão ousada (desculpe, amor… opa, comandante!). Contornar a ilha mais a leste, por fora, me parecia mais sensato, uma vez que nossa visibilidade estava reduzidíssima. Em um outro momento, havíamos quase chocado com uma embarcação pesqueira (sem radar ou identificação), que graças a Deus nos avistou. Pois quando conseguimos avistá-los, Ric me mandou ajudá-lo, emprestando-lhe meus olhos e minha visão). Coloquei a cabeça para fora do cockpit e gritei: Bombordo! Ele virou o timão para a esquerda, desviando um pouco mais da embarcação, que parecia já ter nos notado e também estava a fazer sua manobra. Foi perto e por pouco. Por isso é que começamos a ser agradecidos pelos raios que surgiam. Eles iluminavam a noite e nos ajudavam com a pouca visibilidade.
Passando entre as ilhas, como contava, fomos surpreendidos e nos assombramos com o tamanho da ilha que estava a nosso boreste. Imaginamos que, como navegávamos apenas por instrumentos – uma vez que nossa visibilidade era quase zero – se houvesse algum erro por mais simples que fosse, na carta de navegação, seria nosso fim! Graças a Deus pelas cartas náuticas, suas atualizações e seus atualizadores.
Apenas 2 horas… logo chegaremos. Confesso que foram muitos os momentos em que permaneci calma somente por ver a calma do nosso comandante. Depois de tudo passado, modéstia a parte, fui elogiada pelo nosso amigo tripulante e pelo meu capitão por ter mantido a calma. Mas, houve um momento ali, quando quase chocamos com a embarcação pesqueira, em que passei mal. Ricardo diz que enfim eu batizei o barco! Foi uma mistura de tudo… cansaço, receios, susto, moral baixo… debrucei para fora do cockpit e batizei o convés. Foi a primeira vez que passei mal dentro de uma embarcação… mas não me envergonho de confessar… Só eu sei o que senti naquela hora! 😉
Com os frequentes raios iluminado nossa noite e navegação, a tripulação toda de salva-vidas, abrigados dentro da cabine, a porta de acesso fechada, o iate club já ciente de nossa posição e de que estávamos a caminho, e Ricardo e eu de harness, acabei me encostando no cockpit e cochilei… com a roupa molhada, mesmo… de qualquer jeito… num cantinho. De vez em quando abria os olhos e esperava um raio me mostrar como estavam as ondas… outras vezes buscava o olhar do Ric que permanecia firme, decidido a levar o AmarSemFim até seu destino – que obviamente mudara.
Quanto mais perto da entrada da baia, mais o tempo ia melhorando. De longe, víamos as lindas praias iluminadas (as 4:00, 5:00am), víamos o Cristo aceso e o Pão de Açúcar… e nos aproximávamos.
Agora era apenas um chuvisco… já não víamos mais os raios… tampouco ouvíamos os trovões…
Algumas vezes pensei que já era hora de parar com “essa loucura”!
Vivendo em terra, jamais havia pensado que era hora de parar com “aquela loucura”!
Hoje, passado o momento… quero mais é continuar…
Entramos na baia de Guanabara e então tudo parou!
O mar se transformou em uma lagoa.
O céu dava sinais do amanhecer que apontava em pequenas e poucas aberturas azuis entre as nuvens.
O Cristo permanecia aceso… e assim ficaria por mais alguns minutos
Parar no iate club, depois da tormenta e do cansaço todo… poder olhar para os lados e ver o Cristo de braços abertos, o dia amanhecendo e o Pão de Açúcar do outro lado… deu-me uma sensação de abrigo, de segurança que só a Sua graça pode dar. Foi Ele quem nos dirigiu até aqui…até aqui nos guiou o Senhor… e é dEle, por Ele e pra Ele que seguimos dizendo: Eis-me aqui, envia-me a mim!
/)/) AmarSemFim /)/)
março 13, 2015 às 8:02 pm
Que relato, Helena! Imagino quão aflita eu ficaria no seu lugar! Vc é uma Forte e muito Corajosa! Que Deus continue guardando vcs e cuidando em todos os momentos nessa viagem! Bjs