Um dia, um Fabricante de barcos resolveu construir uma grande nave. Seria um barco magnífico, com todas as melhores tecnologias. Seria autossustentável, e poderia ter uma enorme tripulação. A tecnologia seria de tal maneira utilizada, que, na verdade, a tripulação não teria que fazer quase nada, e as viagens seriam pura curtição. A construção seria robusta e segura, tornando o barco indestrutível, desde que fossem seguidas as instruções do Fabricante.
Depois de um determinado tempo, a embarcação ficou pronta, e o Fabricante escolheu o skipper, e mostrou todas as maravilhas a bordo. Demonstrou o funcionamento de cada sistema e certificou-se de que as instruções eram entendidas pelo skipper. Maravilhado com todos os sistemas a bordo, o novo comandante formou uma tripulação mista, onde havia de tudo. Não era necessário ter experiência em navegação, já que a viagem seria tranquila, e curtir os lugares e paisagens seria a principal atividade a bordo. A tripulação era numerosa, mas todos tinham seus aposentos e lugares para descansar, comer, brincar, olhar o mar, enfim, viver !!!
O Fabricante estava feliz, pois tinha arranjado uma ótima tripulação e tinha absoluta confiança no barco que havia construído. Entretanto, alertou ao skipper que não usasse a nave para navegar pelo Triângulo das Bermudas, pois, apesar de toda tecnologia a bordo, tinha receio quanto aos recentes incidentes ocorridos na região. O skipper ouviu a restrição, mas logo pensou que era um exagero.
E soltaram as amarras. A máquina era maravilhosa, funcionava perfeitamente. Os sistemas de água e esgoto eram absolutamente eficientes, e a tripulação simplesmente vivia a vida. Visitavam lugares maravilhosos, viam animais enormes e variados. Tinham comida a bordo de primeira qualidade, ar condicionado em todos os ambientes, água em abundância, frutas de todos os tipos. A tripulação também era incrível. Todos se ajudavam, uns ensinavam sobre as maravilhas que presenciavam, outros cuidavam das máquinas, e viviam uma grande festa a bordo. Cada refeição era partilhada, todos comiam juntos e sempre eram ouvidos risos e histórias do mar. Até aquele momento, não haviam enfrentado nenhuma tempestade.
Depois de algum tempo, com tudo transcorrendo muito bem a bordo, a nave iniciou uma viagem próxima ao Triângulo das Bermudas. Até aquele momento a comunicação com o Fabricante do barco era total. As comunicações a bordo atendiam em tempo real, e o Fabricante era presença marcante a bordo. Podiam conversar com Ele a qualquer momento pelos comunicadores. E todos os tripulantes adoravam ouvir as histórias do Fabricante. Eram histórias incríveis, de mares e barcos, coisas que todos adoravam a bordo.
Então o skipper resolveu deixar de lado as instruções do Fabricante, e adentrou o Triângulo das Bermudas. Afinal, depois de todo o tempo a bordo, nada de errado havia com a nave, e ele achava um exagero que as lendas sobre a região fossem afetar algo no barco. Algum tempo depois, o Fabricante chamou o comandante pelo rádio, e perguntou onde estavam. O skipper passou as coordenadas e o Fabricante concluiu que eles estavam no Triângulo.
Mal acabou de informar sua posição, e ouviu um grande estrondo a bordo. Todos estranharam, pois nunca haviam ouvido nada parecido. O barco havia colidido com um container que boiava, provavelmente desembarcado de algum navio que cruzava a região. Os alarmes a bordo começaram a soar, e na sala de comando observou-se que o barco fazia água. E a água salgada já havia invadido a cozinha e os tanques de água doce. Depois de muito trabalho, alguns membros da tripulação conseguiram estancar o vazamento de agua, e colocaram bombas para esgotar a agua que havia embarcado. O saldo foi a perda de muita comida e água doce, que ficaram imprestáveis. Alguns membros da tripulação começaram a discutir entre si, pois a atitude do comandante era inadmissível. Todos sabiam que era uma instrução do Fabricante não entrar no Triângulo. Mas quem reclamou sabia que iriam tomar aquele rumo, e a discussão sobre o tema parou por ali. Bem, de qualquer maneira ninguém havia morrido, e ainda tinham alguma comida e água.
Tentaram contato com o Fabricante, para informar a avaria, mas as comunicações na região eram péssimas e não conseguiram. Ocorreu então uma tempestade que nunca tinham visto. O barco balançava, subia e descia ondas. O vento uivava, e o convés era varrido pelas ondas. Todos a bordo estavam com muito medo. O barco começou a fazer água de novo, pois o remendo que fizeram não aguentou a tempestade, e começou a vazar. Agora tinham que tirar a agua com baldes, pois as bombas falhavam. A energia a bordo começou a ficar fraca, pois as baterias entraram em curto circuito e descarregaram totalmente. O skipper não sabia mais como agir, e um motim a bordo se formou. Agora os tripulantes ficaram divididos em grupos distintos, que trocavam insultos e partiam para violência física. A comida e a água passaram a ser racionadas e tudo já estava meio estragado. Todos sabiam que o naufrágio era questão de tempo e ninguém tinha solução para os problemas a bordo. O skipper tentava contato com o Fabricante, sem sucesso. E navegava para fora do Triângulo, embora várias tormentas e ventos contrários o empurrassem cada vez mais para o inferno.
Então, quando não mais viam solução para os problemas a bordo e apenas aguardavam a morte, se depararam com uma caixa de plástico, coberta com uma lona azul marinho, e um cabo de segurança. Era a Balsa Salva Vidas, equipamento de salvamento e sobrevivência que os grandes barcos de cruzeiro devem ter a bordo. A Balsa estava intacta, a despeito das intempéries a bordo, que quebraram tudo. A bordo do barco não havia mais comida, nem um mísero pedaço de pão, nem água, e a escuridão era completa, somente quebrada pelos raios das tempestades. Não havia energia e a água do mar invadia o casco em vários lugares.
Vendo que a Balsa era a única salvação da tripulação, o skipper declarou o barco como irrecuperável, e determinou que todos entrassem na Balsa. Logicamente que todos os tripulantes estavam desconfiados, pois estavam naquelas condições justamente por ações do skipper. Alguns concordaram, mas muitos decidiram permanecer a bordo, ainda que no escuro, sem comida e sem água. Aqueles que se acomodaram na Balsa, perceberam que o Fabricante havia providenciado agua, comida, lanternas e rádio comunicador, além de instruções seguras de como sair do Triângulo. E começaram a mostrar as novas condições aos que resolveram ficar no barco.
Depois de algum tempo, o barco finalmente naufragou, e vários tripulantes morreram. Os que resolveram entrar na Balsa, passaram por várias tempestades e tormentas, mas a comida, a água e principalmente as instruções do Fabricante, os levaram a sair do Triângulo, e encontraram praias tranquilas, comida, água e luz.
Mais do que tudo, encontraram o próprio Fabricante, e este prometeu construir um novo Barco, que desta vez seria conduzido por Ele mesmo, e todos se lembraram de como era a boa vida a bordo.
—————————————————–
Ontem levei a balsa salva vidas do veleiro AmarSemFim para reparar. Visitei um lugar onde vendem, reformam e constroem esses equipamentos de segurança. Dentro dessas balsas há ração humana, água, equipamentos de pesca, primeiros socorros, remédios, sinalizadores, facas, remos, e um EPIRB, que informa a localização da balsa.
A balsa do veleiro AmarSemFim precisa ser periodicamente revisada, pois a comida, bebida e tudo que há nela perde a validade e torna-se impróprio para o consumo.
A Balsa do AmarSemFim é definitiva. Nunca perde a validade, nunca se torna imprópria.
O veleiro AmarSemFim pode naufragar. É uma obra humana. Pode colidir com uma pedra e ir ao fundo. A balsa salva vidas serve para justamente socorrê-lo em uma situação de emergência.
A nave Terra está condenada. Não há água, não há comida, não há esperança. A energia vai se esgotando rapidamente. Na Balsa há tudo. Não será fácil abandonar o barco. Não será fácil entrar na Balsa. Mas não há alternativa. A Balsa é a única salvação.